15.2.06

Super-Dragões Tudo bons rapazes

Eis como a biografia do líder de uma das mais temíveis claques do País, se torna num autêntico manual de terrorismo urbano


Miguel Carvalho / VISÃO nº 670 5 Jan. 2006

Se não tens nada que fazer, gostas de assaltar bombas de gasolina, andar à porrada, de «pança cheia», fumar droga, viver «à patrão» e acompanhar o teu clube até ao topo do mundo, junta-te aos Super-Dragões.Quase a comemorar 20 anos, este é o cartão-de-visita da maior claque do FC Porto. Desengane-se, pois, quem pensa encontrar na biografia autorizada do seu líder, Fernando Madureira, de alcunha Macaco, as histórias da carochinha sobre as coreografias nas bancadas ou o futebol como convívio salutar entre adeptos. «É grupe!», diria, certamente, um deles. O livro, agora publicado pela editora O Gaiense, é, segundo o jornalista Filipe Bastos, co-autor, «uma janela de oportunidade para os sociólogos no estudo dos comportamentos».Nele está estampado o retrato de uma claque estrada fora, estádios e estações de serviço adentro, tudo muito rente à pele e em versão hardcore. Os relatos remetem para uma obra emblemática – Entre os Vândalos, de Bill Buford – mas, desta vez, o protagonista das histórias de caos e loucura à volta do futebol não é um infiltrado. É «o líder». E, com ele, viajam os bárbaros dos tempos modernos.Eu, vândalo, me confessoA história de Madureira começou há 30 anos, na Ribeira, onde o menino que tudo tinha fez amizade com os gaiatos a quem tudo faltava. Ele é da geração dos que fugiram da heroína e se armaram em heróis, aos chutos e pontapés, nas discotecas que, às tantas, puseram trancas à porta só de vê-los chegar. «Sem nada para fazer e com uma adrenalina maior do que nós, tínhamos de arranjar uma alternativa onde pudéssemos mostrar serviço.» Os «Super» estavam a jeito. Madureira, futebolista de curta duração, pendurou as chuteiras. «Apostei todas as minhas fichas nisto. Graças a Deus, a aposta correu bem e hoje tenho uma vida boa, graças à claque e à dedicação ao FC Porto.»Deram-se ao respeito, por assim dizer, em batalhas campais. À tradição de apanhar e sair de rabo entre as pernas sucedeu a época em que «os Dragões partiam tudo». Jovens recrutados na Ribeira e bairros problemáticos do Porto, alguns desempregados, formaram a tropa de choque. Do grupo «fazem parte todo o tipo de pessoas, seja um traficante, desempregado, toxicodependente, seja professor, médico, advogado».~Os confrontos com as claques adversárias – No Name Boys, do Benfica, à cabeça – e as rapadelas nas bombas de gasolina e nos free-shop dos aeroportos tornaram-se um clássico. Comes e bebes, peluches, tabaco, relógios, playstations, perfumes, máquinas fotográficas e de filmar, sprays e até caixas registadoras, tudo era e é rapado, enquanto o diabo esfrega um olho. Madureira gasta fartas páginas a contar os feitos dos seus «meninos» e dele próprio, sempre na retaguarda, ora fazendo vista grossa ora ajudando a dissimular. Às vezes, até pagando do seu bolso os estragos ou as fianças dos que se deixaram apanhar. «O líder» chama arrastões ou touradas a esses momentos gloriosos, com montras partidas, cabeças rachadas, polícia à coca e algumas baixas.O arroz de frango a carburarPor terra, de cidade em cidade, já tomaram lojas e armazéns de assalto. No ar, já andou «tudo aos beijos e apalpanços» com as hospedeiras e até a carteira roubaram ao comandante do avião. Nesse caso, porém, o Macaco atirou-se ao Caveira, autor da façanha. «Ó filho da granda puta, tens cinco minutos para entregares a carteira ao homem ou fodo-te já os cornos aqui e, quando chegares a Itália, vais de saco», berrou, deitando-lhe as mãos ao pescoço.Quando viajam de autocarro de dois andares, na parte de cima acomoda-se normalmente «a bicharada», conta Madureira. Em baixo, é «a sala VIP». «Só para os maiorais», ele incluído. Os motoristas são os Cristos. Ameaçados, insultados, agredidos, obrigados a paragens frequentes nas bombas de gasolina e até a ludibriar a polícia, uns desistem e outros habituam-se. O Nandinho Azeiteiro, por exemplo, «estava sempre a dizer-nos para não roubarmos nada nas áreas de serviço, mas depois virava-se para dois ou três e pedia para lhe trazerem qualquer coisa para dar às mantelhonas dele».Nos hotéis, dormem aos cinco e seis em cada quarto. Os michos ficam na camioneta. Uma rapariga da claque viu todas as suas coisas atiradas pela janela, porque não queria ir para a cama com o grupo. Em Itália – onde idolatram os amigos neonazis da Lazio – já andaram às 4 da madrugada à procura de «gado» para dar «um penalty». Mas só havia travestis e deitaram-se a seco.Nestas deslocações, onde há fumo? há fogo. No primeiro andar dos autocarros, carbura o arroz de frango. Fica-se «ganzado» só de andar por ali, relata Madureira, que já teve de resolver assuntos delicados. De uma vez, a Bela apareceu-lhe aflita: «Ó Macaco, os gajos de Contumil tomaram as minhas doses de metadona e eu estou a começar a bater mal.» Nada feito. «Ó Bela, tens que te aguentar», disse. De manhã, acordou ele com o Calotas «sentado na cama a dar na prata. Dei-lhe logo um estalo».Querido tio ReinaldoSe a claque era, segundo Madureira, «um bando de criminosos», o passar dos anos deu-lhes estatuto e reconhecimento institucional. O clube, que a princípio tentou controlá-los, desistiu da ideia. A SAD apoia-os no que pode e eles são chamados a reuniões por causa dos jogos e dos bilhetes. Quando tudo corre de feição, é ver os chefes em almoços e jantares com os jogadores, Pinto da Costa e Reinaldo Teles, a quem tratam carinhosamente por «querido tio». Carolina Salgado, mulher do presidente, já esteve no meio deles, devidamente escoltada, no Estádio da Luz, de dedo maldoso em riste.Mas quando o verniz estala, tornam-se ameaçadores até para os seus. A invasão de um treino da equipa, em pleno Estádio do Dragão, foi uma amostra. Octávio Machado cedo lhes percebeu a força e almoçava, semanalmente, com a direcção da claque, para prevenir males maiores. Nem assim se safou. Apesar da relação azeda, José Mourinho é ainda o treinador mais idolatrado.Hoje, Super-Dragões é já uma marca registada. A claque abriu lojas de merchandising, freta aviões e autocarros, compra e revende bilhetes, faz negócios. Os seus líderes não escondem a vida boa, sendo vistos ao volante de topos de gama. Destes capítulos da história, porém, o livro não fala muito. Talvez num segundo volume, quem sabe...

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