29.7.05

Mais uma corrida,mais uma viagem

Imaginem um Francisco. Este Francisco é um quadro técnico de máxima qualidade, especialista no que quer que seja. Um daqueles tipos que são muito valiosos por serem muito espertos e/ou muito inteligentes e/ou muito trabalhadores e/ou muito dedicados e/ou muito sensatos e/ou absolutamente geniais e/ou muito do que quer que seja.
O Francisco não tem empresas, não recebe dividendos, não herdou, não tem aplicações financeiras de milhões, não é proprietário de imóveis, não acede a 'private banking', não tem contas nas Ilhas Caimão, não tem pais ricos e nunca foi a Gibraltar. O Francisco entrega a sua declaração de IRS em Março. Não tem nenhum rendimento para lá do seu ordenado. No recibo de vencimento do Francisco pode ler-se o montante de 4.300 Euros mensais brutos a que acresce subsídio de refeição. (Nota: >4.300*14=60.200).
O Francisco é pretendido por muitas empresas. Andam por aí umas multinacionais que não se importavam nada de o ir buscar e as head-hunters fazem-lhe propostas sedutoras. Pagam-lhe mais, se ele quiser ir para Espanha ou para os States.
O Dr. Ambrósio, patrão do Francisco, não o quer perder. Faz contas e decide premiar o esforço e a dedicação do seu melhor técnico, atribuindo ao pacote salarial do Francisco mais 10.000 euros por ano.O Francisco fica muito feliz. 10.000 euros por ano parece muito bom.Mas depois faz contas.
1. 10.000 euros a dividir por 14 meses: 714 euros/mês.
2. Taxa Social Única suportada pela empresa: 136 euros/mês.
3. Taxa Social Única suportada pela empresa mas atribuída ao Francisco:64 euros/mês.
4. IRS marginal (escalão dos 42%): 234 euros/mês.
5. Imposto de Selo: 3 euros

Sobram ao Francisco 269 euros/mês, que lhe permitirão adquirir 226 euros de produtos com IVA a 19%, se excluir álcool, tabaco,combustíveis ou automóveis.Feitas as contas, para o Dr.Ambrósio agarrar o Francisco, por cada 31,5 euros que lhe der a mais, tem que alimentar o monstro com 68,5 euros. É mais do dobro. Dos 10.000 euros, nem sequer 1/3 são para premiar o Francisco. Há quem ache isto muito, muito bem. Mas não é. É apenas a institucionalização do absurdo.

Conclusão da história: O Francisco vai trabalhar para Espanha. A nova empresa para que o Francisco trabalha abre uma delegação em Portugal e conquista metade da quota de mercado da empresa do Dr. Ambrósio que é obrigado a despedir 50 trabalhadores. Para protestar contra os despedimentos, o sindicato organiza greves e estoira de vez com a empresa. O Dr. Ambrósio, cansado, vende as acções a uma multinacional coreana e protege os dinheiros recebidos numa offshore bem longe de Portugal. Os coreanos encerram a produção em Portugal e passam a importar todos os produtos da Coreia e da China. Para fazer face às crescentes necessidades das políticas sociais e ao aumento de desemprego, o governo aumenta o IVA para 23% e cria um novo escalão marginal de IRS de 48%.

Mais uma corrida, mais uma viagem.

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