1. Morreu uma figura política portuguesa. Essa figura, recentemente, afirmou
que o futuro da humanidade passa por sítios tão excelsos como o Laos.
Curiosamente, acho que essa figura nunca foi ao Laos. Vamos, portanto,
organizar uma excursão ao Laos para os apaniguados dessa figura. Mais: essa
figura continuava a branquear os maiores massacres da História Mundial.
Mais: ficou triste com a queda do muro de Berlim; entrou em desespero quando
a URSS implodiu. Morreu uma figura que quis transformar Portugal numa
ditadura comunista. Morreu uma figura que colocou Portugal à beira de uma
Guerra Civil. Mas, apesar de tudo isto, esta figura é agraciada como grande
lutador da liberdade. Qual liberdade? A liberdade da nomenklatura para
esmagar os dissidentes e escravizar a população? Por tudo isto, sugiro que
os nossos comunistas viajem até aos países do leste europeu. Quando chegarem
a uma praça, talvez de Varsóvia ou de Riga, façam uma “manif” pró-Cunhal.
Não se esqueçam é de deixar o motor a trabalhar.
2. Reacções: “grande patriota”; “grande coerência”. Desde quando os
comunistas são patriotas? O comunismo não é uma corrente universalista que,
precisamente, queria desfazer as nações e unir os homens nunca grande
irmandade? Quanto à coerência: bom, Fidel Castro também é coerente. Aliás, é
esse o problema: a coerência teórica de um comunista causa sempre tirania.
Gritam-me: “Mas ele foi uma grande comunista”. Mas é esse o problema:
qualquer grande comunista é um potencial ditador. E se essa coerência
tivesse sido levada à prática em Portugal, hoje não poderíamos estar aqui a
escrever. Em todos os países comunistas ainda activos, o acesso à Internet é
obviamente limitado, controlado, etc.
3. O 25 de Abril não foi feito pela esquerda. A esquerda apropriou-se do 25
de Abril. É uma grande diferença. Hoje tenho liberdade porque uns militares
de carreira fartaram-se de ser milicianos e de morrerem numa guerra sem
vitória possível. Os golpes de estado não têm que ter uma grande legitimação
teórica. A eles, o meu obrigado. Depois, alguns tentaram alcançar essa
legitimação no ombro de Cunhal. Felizmente, outros militares fizeram o 25 de
Novembro.
4. Vivemos num país de uma incrível pobreza cultural. Os “comments” que aqui
vão aparecer serão reveladores disso mesmo (“és fascista”, “és da PIDE”,
etc.). Ainda hoje funciona em Portugal a linguagem do Comintern. Ou seja,
ainda hoje algumas pessoas pensam o mundo com um raciocínio com mais de 70
anos. Que raciocínio é esse? Fácil: “Se te atreveres a criticar o comunismo,
então, és fascista”. Um país inteiro vive preso neste fantasma: “não posso
criticar o Cunhal porque vão pensar que estou a defender o Salazar ou que
sou um ricaço insensível à pobreza”. Pois bem, em relação a mim, podem
gritar o que quiserem. Tenho as costas quentes: os meus avós (os quatro)
trabalharam nas mistificadas searas alentejanas, os meus pais eram operários
na cintura de Lisboa. Quando era puto, apanhei tomate para ganhar uns
trocos. Por isso, os meninos ricos de Lisboa com aquela vergonha saloia por
serem ricos podem gritar à vontade. Gosto sempre de me rir de saloios.
5. Esta atitude saloia (“se criticas o Cunhal é porque és facho”) inquina o
nosso nível de debate. Temos um nível de debate provinciano, sem referências
externas. Mas sobre isto Sarsfield Cabral disse tudo na crónica de hoje no
DN. Não vale a pena acrescentar uma linha: «Terem sido portugueses estes
dois notáveis comunistas da velha guarda diz alguma coisa sobre o nosso
atraso cultural».
6. Dr. Mário Soares, se me está a ouvir, os meus parabéns: ontem, V. foi o
único que disse a verdade. Nem os líderes de direita tiveram tanta coragem.
Um obrigado de um jovem conservador-liberal para um velho socialista.
7. Camaradas liberais e conservadores, o comunismo já não é o nosso inimigo.
Não devemos perder muito tempo a discutir o que já não tem discussão
possível noutros países. Temos novos adversários: habermasianos,
multiculturalistas, pós-modernos, etc. É sobre esses que temos de concentrar
o nosso poder de fogo. O meu avô, esse que trabalhava de sol a sol no trigo
mistificado mas nunca tocado pela esquerda, sempre me disse: «tem piedade de
quem já não pode».
[Henrique Raposo]
20.6.05
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